10 - PAS 3 - Poemas 'Elegia 1938' e 'Rodofernália'

 



Oi, gente. 

No bate-papo de hoje, apresentamos duas obras do PAS. Leia-as com atenção, bem como as contextualizações. Ao final, propostas para reflexão. 

Elegia 1938
Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.



RODOFERNÁLIA
Música: Renato Matos
Letra: Nicolas Behr

Desço aos infernos escadas rolantes
Rodoviária de Brasília
Teu corpo boiando no óleo que ferve
Um pedaço do seu coração
O sangue de Cristo aqui não é vinho
O corpo de Cristo aqui não é pão
Subo aos céus escadas rolantes
Rodoviária de Brasília
O corpo de Cristo aqui não é pão
Pastel de carne com lentilha
O sangue de Cristo aqui não é vinho
É caldo de cana se adoçam com isso

O padroeiro desta cidade será Dom Bosco
Ou Padim Ciço
Brasília passa por baixo do meu bloco todo dia
Brasília já teve de mim o pedaço que queira
Brasília já teve de mim o pedaço que queria
Confiro nas axilas o pedaço que fedia
Faltam blocos na minha quadra
Faltam dentes na minha boca
O meu bloco é redondo como um cubo
E azul como uma laranja oca.

Referência: BEHR, Nicolas & MATOS, Renato. Rodofernália. In: BEHR, Nicolas.
Rodô: poesia passageira, poemas sem destino. Ilustrações de Paulino Aversa.
Brasília: Edição do autor, 2022, pp.32-33

Você pode ouvir a música no link abaixo


    

Sobre as obras acima.

O primeiro poema foi composto por Carlos Drummond de Andrade  (1902-1987), um dos destaques da segunda geração modernista ou geração de 30 (1930/1945). Foi publicado em 1940, dentro da obra Sentimento do Mundo.

A poesia dessa fase percorreu um caminho de amadurecimento gradativo em relação às conquistas obtidas da geração modernista anterior, no sentido de que, agora, apresenta o ser inserido no mundo mergulhado em grandes conflitos ideológicos (o surgimento de várias ditaduras ao longo do mundo e no Brasil) e bélicos (a Segunda Guerra Mundial).

O próprio título do poema faz referência, dentro da teoria literária, a temas voltado para a melancolia, para o lamento, para a morte. Nesse sentido, o eu lírico apresenta ao leitor (tu) um tom bastante negativo a partir do mundo caduco onde ele se encontra. O pessimismo é tão acentuado que o momento do sono noturno é como se não precisasse morrer, apenas durante o dia em função da Grande Máquina que o oprime. Com desdobramento dessa angústia, resta aceitar as injustiças reveladas nos últimos versos.

O segundo poema é, na verdade, é uma letra de música cuja letra foi composta por Nícolas Behr e a melodia, por Renato Matos, ambos da cidade. O título se relaciona ao vocábulo parafernália (conjunto de objetos pessoais para determinada atividade) e pode ser facilmente compreendido a partir da mensagem apresentada na canção.

Sobre Nícolas Behr (1958 -    ), sua experiência em Brasília a partir de 1974, fez da Rodoviária do Plano Piloto fonte de inspiração para várias composições. 

Sobre Renato Matos (1952 -      ), é artista plástico, cantor, compositor e multi-instrumentista.

Em relação ao poema Rodofernália,  vários elementos plásticos da cidade são citados. A Rodoviária, a os alimentos comercializados nesse espaço público e a arquitetura da cidade, na verdade, devem ser compreendidos metaforicamente.

Para refletir.

a) Se o poema Elegia 1938 fosse escrito na atualidade, o tom de pessimismo deveria ser acentuado ou atenuado? 

b) Ao relacionar as duas produções poéticas, há  mundo caduco  em Rodofernália? Justifique.

Boa leitura.
Bom estudo.
Fernando Fernandes
 

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