20 - Reposição de conteúdo 1 de 4 - semana 9 a 13 de junho de 2025
Esta publicação apresenta o que foi ministrado entre os dias 9 e 13 de junho de forma presencial no colégio.
O primeiro texto da semana está publicado abaixo, cujo título é 'Evocação do Recife: memória, escravidão e história' da autoria de Manuel Bandeira. Ambos os poemas servirão para, além de um bate-papo sobre a vida e apresentar concepções no fazer poético adotado pelos modernistas da primeira geração.
Texto 1
Evocação do Recife: memória, escravidão e história
(Manuel Bandeira)
RecifeNão a Veneza americana
Não a Mauritssatd dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois —
Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A Rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as vidraças da casa de Dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincené na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras, mexericos, namoros, risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longes da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era São José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva se ser menino porque não podia ir ver o fogo
Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
... onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
... onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redomoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
Eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capibaribe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avó morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô
Vocabulário:
Mauritsstad - relativo a Maurício de Nassau, Brasil Colônia
Pincenê - óculos pequeno sem as hastes
Algumas considerações.
Manuel Bandeira (1886/1968) - Recifense de origem e, desde os quatro anos de idade no Rio de Janeiro, Manuel Bandeira foi poeta, crítico de arte, professor de literatura, tradutor, crítico literário e crítico de arte. Embora não tenha participado diretamente da Semana de Arte Moderna, foi um dos construtores do Modernismo no Brasil. Em 1904, Bandeira sofreu de uma enfermidade cuja cura se concretizou entre 1913 e 1914, na Suiça. A tuberculose trouxe ao autor um amadurecimento literário intenso.
Em linhas gerais, Manuel Bandeira desenvolveu três fases na sua literatura: a fase simbolista, a fase modernista e a fase pós-modernista, esta última em que a tradição e a renovação se fazem presente na sua produção poética.
Em relação ao texto 1, com leitura feita em sala de aula, o eu lírico apresenta a sua relação pessoal com Recife por meio de diversos flashes da infância. Ao abrir mão de apresentar Recife de forma acadêmica, opta pelas memórias pessoais.
Por exemplo, o eu lírico cita: as brincadeiras na rua com os coleguinhas após o jantar; os lugares onde ele ia de forma escondida, seja para pescar, seja para fumar; a sua experiência sensual ao avistar uma moça nuinha; os estragos provocados pela cheia na região; os diversos ambulantes da região; e, por fim, a constatação de que tanto seu avô e a casa onde morava na rua União não existem mais.
Em suma. O eu lírico traz à lembrança suas memórias a partir de pequenos fatos do seu cotidiano, organizados em flashes sem uma preocupação cronológica embora cite também a importância histórica da capital, mesmo deixada em segundo plano.
O poema acima é de fácil entendimento e, em termos de estrutura poética, segue a proposta modernista: temas cotidianos, liberdade formal (ausência de rimas de métrica) e liberdade vocabular (vocabulário livre). Em relação à liberdade formal, o poema acima também serve como texto doutrinário no sentido em que o eu lírico afirma que a verdadeira língua portuguesa é aquela que emana do povo, e não aquela em que somos obrigados a imitar e seguir em função de um ordenamento sintático e gramatical.
O segundo texto da semana está publicado abaixo, cujo título é 'Nova poética' da autoria de Manuel Bandeira
Texto 2
Nova poética
(Manuel Bandeira)
Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito
bem engomada, e na primeira esquina passa um
caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma
nódoa de lama:
É a vida.
O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas,
as virgens cem por cento e as amadas que
envelheceram sem maldade.
Em relação ao texto 2, com leitura feita também em sala de aula, o eu lírico apresenta duas concepções diferentes para o fazer poético.
A primeira concepção é aquela cuja arte deve, de alguma forma desestabilizar aquele que a contempla. Nesse sentido, o leitor é instigado a pensar, observar, refletir, buscar respostas. É a concepção poética metaforizada como você tomar um banho de lama ao sair de casa. Nesse sentido, considerando a proposta do eu lírico, temos o poema nódoa de brim.
A segunda concepção é aquela cuja arte deve, de alguma forma, acalmar, acariciar, acalantar, restaurar, confortar aquele que a contempla. Por outras letras, o leitor deixa de ser confrontado. Pelo contrário, a mensagem vai ao encontro das suas necessidades emocionais. Nesse sentido, considerando a proposta do eu lírico, temos o poema orvalho.
É evidente a antítese entre o poema nódoa de brim e o poema orvalho. Também é evidente que o eu lírico prioriza o tipo de arte que gera inquietação no lugar de lenitivo, calmante, tranquilizante. Da mesma forma, um dos pressupostos para o início do Modernismo é que a arte deixe de ser contemplativa, suavizante, tranquilizadora para ser uma arte seja desestabilizante.
Entretanto, a preferência do autor e a do Modernismo não deve, necessariamente, ser a sua preferência, você que me lê neste material. Cada um de nós, enquanto apreciador da arte, temos a liberdade de escolher o que mais agrada.
Uma provocação final para você:
1) Que seriados ou filmes podem ser considerados como poema nódoa de brim ou poema orvalho? Ou mesmo um pouco de cada um?
2) Em relação às novelas tradicionais da televisão, quais predominam? Poema nódoa de brim ou poema orvalho?
3) Em relação ao primeiro poema, que lembranças você traria para seu diário, seu blog, seu poema autoral?
Boa leitura.
Bom estudo.
Fernando Fernandes
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